Ele tinha trinta e poucos anos quando a conheceu. Ficaram juntos por trinta anos. Do diagnóstico à morte dela foram trinta e sete dias. E foi com essa dor que o escritor inglês Julian Barnes iluminou a minha vida em seu singelo e profundo “Altos voos e quedas livres”, juntando coisas que nunca foram juntadas antes: luto, balões e fotografia. 

Um livro fininho, sem qualquer firula editorial, que reforça minha crença de que para costurar palavras, entrelaçar histórias, conectar passado e futuro, voar em balões e se enfurnar nas câmeras escuras e reveladoras da fotografia e, principalmente, da literatura, é preciso aprender a amar. E amar é um verbo dificílimo de conjugar, por isso me arrisco a dizer que os bons contadores de histórias são amadores de primeira qualidade.

Sem a vivência do amor não há boa literatura. Durante muito tempo da minha vida, esperei pela chegada de um grande amor do tipo homem/mulher, embora reconhecesse sempre a existência de outras formas de elevação, quer seja pelas artes, quer seja pela religião. Essa busca, porém, não do clichê alma gêmea, mas de um amor compreensão, respeito, silêncios, verdades, sexo, sofrimento, compaixão, alegria, tormentos, tesão, devoção sempre esteve em meus planos. 

Confundi o que queria com o que a vida me trazia todas as vezes em que desacreditei da possibilidade de viver um amor assim, desta magnitude e, ao mesmo tempo, de tanta singeleza quanto o livro do Barnes. Agora que me arvoro a querer escrever um livro percebo que o grande amor que procurei em todos esses anos da minha vida já me fez companhia. 

É que foi tudo tão simples, enquanto eu procurava encantamento, foi tudo tão banal, enquanto procurava ficar sem fôlego, tudo tão errado, enquanto procurava o roteiro da cartilha, tudo tão desfigurado, enquanto imaginava cenários e figurinos, tudo tão momentos, enquanto esperava o para sempre, tudo tão começos, enquanto me perdia nos seus fins. 

Subi nas montanhas da paixão. Me esborrachei. Fui às alturas. Molhei lençóis com suor e lágrima. Me vesti de noiva. Tive luas de mel e de mal. Pude olhar para a minha própria barriga e vê-la crescer e murchar duas vezes. Alimentei crianças com algo que saia de dentro de mim. Enterrei amigos e doces amores de juventude transviada, perdi ilusões, ganhei desilusões, me embrenhei na mata escura sem medo, sozinha. Encontrei claridade. Tive mãos e ofereci as minhas. Fui abraçada e ofereci meu colo, meu vente. Me dei de corpo e alma, assim como só de corpo. Às vezes só de alma. 

Tudo para compreender que embora desejasse ter um único amor verdadeiro na vida e ser um só amor, sou a soma dos amores que tive. Não daria para ter vivido tudo isso com apenas uma pessoa. Nem mesmo da minha parte, pois em cada história nunca fui a mesma. E, agora convicta de que meu amor é único, porque feito na soma, me sinto encorajada a enveredar por uma nova aventura. 

É que a paixão por este viúvo inglês de 68 anos, que juntou palavras e sentimentos que nunca foram juntados antes, me arrebatou às alturas e à profundidade de um tipo de amor que me sinto pronta para viver e para corresponder. O amor pela dor e delícia de escrever um livro. - Barnes, caríssimo, contrariando o que você escreveu, uma dor ilumina outra sim. Sou testemunha disso. Que o vento norte me leve à França onde você pousou delicadamente e para sempre seu balão em mim.

                                                                                                           2014

Comentários
* O e-mail não será publicado no site.