O poeta disse que as rosas não falam, mas ontem - me perdoe Cartola - eu as ouvi. Estava desatenta ao mundo das coisas e das razões, ao mundo dos homens e das paixões, e as escutei conversar no jardim do paraíso que encontrei justamente quando me achava perdida, embora não soubesse sê-lo. Falavam de ondas e mares longínquos, de amores e dores, espinhos e lagartas. 

Queixavam-se um pouco do sol, mas reconheciam as mãos gentis que as vinham embrulhar em uma espécie de manto de seda que fazia delas rainhas. Choravam mágoas de pétalas despedaçadas, agradeciam o frescor da brisa da noite e enamoravam-se das estrelas e dos jardineiros. 

As vermelhas, ao contrário dos que muitos pensam e dizem, não são as rosas da paixão, mas divertem -se fazendo os homens acreditar que sejam. Assim, tornam-se presentes furtivos dos amantes, ganham beijos do Rei antes do voo até as mãos desejosas e, sempre que chegam aos locais de destino, sobretudo em ambientes de trabalho, arrancam suspiros, despertam inveja, dão comichão. Isso sem contar no coração aos pulos de quem as recebe. 

As rosas vermelhas, ouvi, têm um pacto secreto com outras de suas irmãs e, somente em ocasiões muito especiais, emprestam sua cor para que essa outra que não nasceu com a mesma sorte possa ter seu minuto de estrela da paixão, musa dos enamorados. É um fenômeno pouco conhecido nos jardins, muito menos aos olhos desatentos de quem não enxerga o mundo com poesia. Mas eis que lá no meio de rosas brancas, rosas e amarelas, surge uma de cor totalmente diferente. 

Começa num tom meio indefinido e, aos pouquinhos, o vermelho vai tomando conta. O jardineiro, incrédulo, procura por uma prova da enxertia, mas não a encontra. Olha para o céu e faz, respeitosamente, o sinal da cruz. E todas elas, todas sem exceção, se deliciam com este momento. Vibram, chamam o vento que as faz balançar até se encontrarem umas com as outras, e tocarem, por breves instantes, a pétala alheia, selando um pacto que era visível e possível apenas nas raízes. 

Foi em um momento desses que eu as ouvi em oração cantando: “Bate outra vez, com esperanças o meu coração, pois já vai terminando o verão, enfim”. É  o canto que traz o jardineiro poeta de volta ao jardim, com seu inconfundível chapéu da boemia, para queixar-se não do amor perdido, mas do amor vivido. E eu que as ouvia em canto, as escuto em pranto baixinho, ouvindo e se balançando com Cartola aos acordes e ao sabor daa brisa. 

Ao som da terna e eterna melodia, elas sentem o próprio cheiro que exalam e inebriam os homens, roubando-lhes o que esses têm de mais sublime: o amor. E elas, vegetais, experimentam o néctar que só foi dado ao Homem pela Criação. Eu as ouvi, amando. Amam as que estão próximas e as que estão longe. Amam as que partiram e as que ainda não nasceram. Amam a si e ao jardineiro. Amam, simplesmente, por devoção ao amor. 

Ao ouvir as rosas falantes de Cartola descobri que precisamos estar desatentos, desapegados do mundo da razão e das coisas, inebriados pelo nosso próprio cheiro que, por mais estranho que nos pareça, incrédulos que somos de nossa própria intuição, tem uma doçura divina.    

Para voltar ao jardim, muitas vezes chamado paraíso, só mesmo nos curvando aos sons melodiosos da nossa própria natureza. Pois o cheiro que nos fascina as rosas costumam roubar de nós mesmos.



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