Séries e filmes de terror e de suspense assim muito fantasmagóricos me dão pânico e os evito tanto quanto possível. Ou melhor, não vejo mesmo. O motivo é simples. Não consigo separar a fantasia da realidade nestas situações, e sofro com sintomas físicos, como arrepios, espanto, sobressaltos, taquicardia, sudorese. O terror vira drama na real. 

Em alguns casos, porém, a curiosidade supera todos esses efeitos colaterais, como ocorreu com “Missa da Meia-Noite”, em cartaz na Netflix. Melhor assim. Estava correndo risco de não refletir sobre a importância que é morrer sonhando. Sobre a beleza que é sair de cena neste mundo sem conseguir realizar todos os sonhos acalentados um dia.

Por mais contraditório que isso pareça, a série de Mike Flanagan é um convite, para olharmos a “desilusão” do irrealizado sob uma perspectiva totalmente diferente. Se nossos restos mortais vão alimentar a cadeia da vida no seio da terra (do pó vieste ao pó retornarás), nossos sonhos (restos etéreos) levados à eternidade têm igual papel, porque “somos o Cosmos sonhando consigo mesmo”, como reflete uma das personagens centrais da trama em seu momento derradeiro. 

Em síntese, o que Flanagan nos adverte é que Deus também se nutre dos sonhos que evaporam da sua própria criação, para seguir sonhando e recriando o Universo continuamente em cada infinitésimo de segundo. No momento da morte, a transmutação da energia humana empregada para gerar, alimentar e acalentar um sonho, seja ele do tamanho que for, propicia a renovação de tudo o que existe. 

Isso talvez explique porque o planeta Terra esteja com a saúde tão comprometida. Viramos seres tarefeiros, a exemplo de formigas que não podem se dar ao desfrute da explosão alegre do canto da cigarra. Inventamos um modo de vida tão bizarro que, além de nos impedir o sonho, ainda nos leva a tratar com inferioridade os chamados “sonhadores”, mais comumente conhecidos como artistas. 

Não me refiro aos astros de Hollywood, aos globais e afins, mas ao artista que habita cada um de nós, e que somos obrigados a silenciar em nome de uma racionalidade que está nos matando, adoecendo, embrutecendo e limitando nossa expressão do divino. Nunca sonhar foi tão necessário quanto agora que a Terra clama por mais ar, mais água, mais compaixão, mais consciência ainda que não seja mesmo possível realizar todos os desejos sonhados. 

Por essa poesia vital, “Missa da Meia-Noite”, mesmo sendo uma história de terror, me soou como acalanto. Nem todos os devaneios humanos (como o da imortalidade, por exemplo, retratado na série) devem se concretizar ainda que movidos por um ideal de amor. A ausência deles, no entanto, aliada à ignorância, à preguiça do despertar consciente em relação à matéria-prima da qual somos feitos e que deveria nos unir, tem nos condenado irremediavelmente a queimar feito zumbis em meio a tanta luz.

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